Entre o hoje e o passado


Oiço "Don´t Know why" da Norah Jones. A escolha musical é do espaço, ainda que pudesse escolhê-la para escrever. 
Estávamos em Puerto Banús. Vivia a fase em que uma boa fotografia só o é a mostrar os dentes. Nesta altura, tinha passado demasiado tempo para que os meus lábios se mantivessem afastados, daí este ar meio-meio. 
Um mau feitio desgraçado. A pose durou umas três horas (na minha cabeça). E, nem o: “não percebes que quero que fique perfeita? Uma obra de arte que vai sair daqui”, serviu para me dar a volta (vá, tenho dias em que faço um generozinho!). Esperei que um barco passasse, que dois barcos juntos passassem, que o terceiro passasse cheio de animação, que dez pessoas abanassem os braços, que a luz estivesse de feição, que uma demorada ondulação do mar fosse embora. 
Pelo meio, tive comentários sobre a infelicidade dos brincos (juro que se contam pelos dedos de uma mão as vezes que me lanço nestas aventuras), a gola do vestido que podia estar mais afastada para fazer denunciar o biquíni, os cabelos que deviam esvoaçar com o (pouco) vento e mais uma série de questões que até parecia que a culpa era (só) minha. “Vá, prometo que não te arrependes”. Já estava mais do que isso. Afinal, a ideia da fotografia tinha sido minha. Sentia o cheiro dos alimentos para além do normal, apelei à fome, às horas perdidas, à santa que me deu o nome, eu sei lá… Ah, apelei também ao motivo que nos tinha levado ali, para dali nos levar ao grande objectivo do dia.
Fui vencida pelo cansaço. Obedeci a todas as indicações e desejei - com força - que finalmente a fotografia saísse. Perfeita (como se vê, valha-me Deus!). 
Estávamos no tempo do analógico. Gastou-se um rolo de 36 clics (quase de certeza). E, um dos resultados finais foi este. Ar de enjoo (e não fui lá parar de barco), cara amorosa dentro do que me foi possível, sorriso a meia haste, algum desgaste nas feições (típico de quem está de férias num cansaço feliz de tanto andarmos de um lado para o outro). Durante estas férias, claro que existiram momentos e fotografias fantásticos para dar e vender. Alguns flashes, com a devida reclamação da demora, pois claro! Fez tudo parte de uma convivência (quase) perfeita onde os protestos antecederam às pazes feitas!
Em bom rigor, a verdade é que hoje, estaria mais umas horas, exactamente no mesmo lugar, à espera que os barcos passassem e o vento soprasse mais um bocado por causa do ar sensualóide do cabelo à frente dos olhos. Estaria, outra vez, com mau feitio. Estaria, repetidamente, a tirar uma das fotografias com a pior pose possível (quem era eu para falar de criatividade). Mas cheia de luz por dentro.

Agora, estou aqui de havainas (mas nos pés!) e a pensar em pôr esta imagem no meu álbum de fotografias. O livro que só conta histórias felizes.

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